ACT: Por Que “Aceitar” Não É “Conformar-se”?
- Michelli Cameoka

- 8 de nov.
- 4 min de leitura
Aceitar não é se render. Na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), esse é um dos pontos mais mal compreendidos, e também mais transformadores.
Quando falamos em “aceitar”, muitas pessoas pensam que queremos dizer resignar-se, simplesmente tolerar o sofrimento ou se conformar com uma vida aquém do desejado. Mas, para a ACT, aceitar é o oposto disso: é escolher conscientemente parar de lutar contra aquilo que não pode ser controlado, para investir energia no que realmente importa.

O Que É Aceitação na ACT?
Aceitação é a disposição ativa, uma abertura genuína, para entrar em contato com pensamentos, emoções, memórias ou sensações desconfortáveis, sem tentar evitá-los, suprimi-los ou lutar contra eles a todo custo (Hayes et al., 2006). Isso não significa gostar da dor ou querer sofrer, mas reconhecer que gastar energia para eliminar experiências internas pode ser ineficaz e custoso — especialmente quando esse esforço impede a pessoa de viver a vida que deseja.
Por Que a ACT Propõe a Aceitação?
A ACT é uma abordagem baseada no contextualismo funcional, que avalia o comportamento não apenas pela sua forma (como ele se apresenta), mas principalmente pela função, ou seja, para que serve em determinado contexto (Hayes et al., 1999). O objetivo não é eliminar pensamentos ou emoções negativas, mas modificar os padrões de comportamento que mantêm o sofrimento e restringem a ação guiada por valores.
No TOC, na ansiedade, no trauma e em outras condições, é comum ver as pessoas presas em tentativas incessantes de controlar pensamentos perturbadores, sentimentos difíceis ou lembranças dolorosas. A ACT propõe um outro caminho: acolher essas experiências internas com abertura e compaixão, enquanto se compromete com ações significativas.
Conformar-se É o Oposto de Agir
Conformar-se implica paralisia. É desistir de lutar por mudança. Aceitar, na ACT, é o ponto de partida para a ação com propósito.
Imagine uma pessoa com TOC que vive tentando suprimir pensamentos indesejados sobre algo que considera moralmente errado. Quanto mais tenta afastar esses pensamentos, mais intensos eles se tornam — um fenômeno bem documentado na literatura (Abramowitz, Tolin & Street, 2001). A ACT convida essa pessoa a parar de tentar controlar os pensamentos e começar a agir de acordo com seus valores mais profundos, mesmo com o desconforto presente (Twohig et al., 2010).
Essa mudança permite, por exemplo, que a pessoa volte a se aproximar das pessoas que ama, retome atividades importantes ou enfrente situações antes evitadas, sem precisar “sentir-se 100% bem” para isso.
Aceitação É Liberdade, Não Resignação
Ao abrir espaço para experiências internas difíceis, a ACT cria condições para a liberdade: liberdade de fazer escolhas com base no que importa, e não com base no medo, no perfeccionismo ou na urgência de se livrar da dor.
Isso é especialmente relevante para pessoas com quadros como o TOC ou transtornos de ansiedade, em que os sintomas frequentemente ganham força justamente por conta da tentativa de controle (Levin et al., 2012).
A prática da aceitação envolve treino e aprendizado, não é algo passivo. Técnicas como desfusão cognitiva, atenção plena (mindfulness) e contato com valores pessoais são estratégias centrais nesse processo.
Aceitar Para Transformar
Estudos mostram que a aceitação está relacionada a menos evitação experiencial, menor sofrimento psicológico e maior qualidade de vida (Bond et al., 2011). Mais do que isso, pesquisas com clientes com TOC revelam que a ACT pode ser eficaz sozinha ou em combinação com outras abordagens como a Exposição e Prevenção de Resposta (EPR) (Twohig et al., 2018).
Ao invés de esperar que os sintomas desapareçam para viver, a ACT convida você a viver plenamente mesmo com os sintomas. Paradoxalmente, é muitas vezes nesse caminho que os sintomas perdem força.
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Referências
Abramowitz, J. S., Tolin, D. F., & Street, G. P. (2001). Paradoxical effects of thought suppression: A meta-analysis of controlled studies. Clinical Psychology Review, 21(5), 683–703. https://doi.org/10.1016/S0272-7358(00)00057-X
Bond, F. W., Hayes, S. C., Baer, R. A., Carpenter, K. M., Guenole, N., Orcutt, H. K., Waltz, T., & Zettle, R. D. (2011). Preliminary psychometric properties of the Acceptance and Action Questionnaire–II: A revised measure of psychological inflexibility and experiential avoidance. Behavior Therapy, 42(4), 676–688. https://doi.org/10.1016/j.beth.2011.03.007
Hayes, S. C., Luoma, J. B., Bond, F. W., Masuda, A., & Lillis, J. (2006). Acceptance and Commitment Therapy: Model, processes and outcomes. Behaviour Research and Therapy, 44(1), 1–25. https://doi.org/10.1016/j.brat.2005.06.006
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (1999). Acceptance and Commitment Therapy: An experiential approach to behavior change. New York: Guilford Press.
Levin, M. E., Hildebrandt, M. J., Lillis, J., & Hayes, S. C. (2012). The impact of treatment components suggested by the psychological flexibility model: A meta-analysis of laboratory-based component studies. Behavior Therapy, 43(4), 741–756. https://doi.org/10.1016/j.beth.2012.05.003
Twohig, M. P., Abramowitz, J. S., Smith, B. M., et al. (2018). Adding acceptance and commitment therapy to exposure and response prevention for obsessive-compulsive disorder: A randomized controlled trial. Behaviour Research and Therapy, 108, 1–9. https://doi.org/10.1016/j.brat.2018.06.004
Twohig, M. P., Hayes, S. C., Plumb, J. C., Pruitt, L. D., Collins, A. B., Hazlett-Stevens, H., & Woidneck, M. R. (2010). A randomized clinical trial of Acceptance and Commitment Therapy versus Progressive Relaxation Training for obsessive-compulsive disorder. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 78(5), 705–716. https://doi.org/10.1037/a0020508




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