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O Que Não Funciona no Tratamento do TOC: Intervenções Ineficazes ou Potencialmente Prejudiciais

  • Foto do escritor: Michelli Cameoka
    Michelli Cameoka
  • 6 de nov.
  • 4 min de leitura

Apesar de o TOC ser bastante estudado, ainda é comum que pessoas recebam orientações ou intervenções que não só falham em ajudar, como podem piorar os sintomas. Esse post apresenta práticas clínicas que a ciência já mostrou serem ineficazes ou prejudiciais, e explica porque é essencial buscar tratamentos baseados em evidência.


1. Terapias Não Estruturadas ou Inespecíficas


Nem toda “terapia” é eficaz para o TOC. Muitas abordagens muitas vezes usadas falham quando aplicadas sem um olhar especializado e uma conduta conceitualmente coerente. Isso inclui:


  • TCC tradicional, sem EPR e treino comportamental ativo;

  • Técnicas que visam "mudar" ou "corrigir" pensamentos, como a reestruturação cognitiva;

  • Psicoterapias psicodinâmicas, como a psicanálise, que se concentram em interpretar conteúdos inconscientes ou desenvolver insight;

  • Aconselhamento genérico ou escuta empática sem direcionamento técnico.


Essas intervenções podem até ser acolhedoras, mas não alteram os padrões rígidos de evitação e compulsão que caracterizam o TOC. Segundo McKay et al. (2021), abordagens genéricas podem até reforçar compulsões, ao validarem racionalizações ou evitamentos sem oferecer alternativas que realmente funcionam.


2. Focar em Insight, Mas Não em Comportamento


Pessoas com TOC geralmente sabem que seus pensamentos são ilógicos. Mas essa consciência não basta para mudar o ciclo do transtorno. Abordagens que priorizam compreensão emocional ou insight sobre a origem do problema, sem estratégias comportamentais, tendem a ser ineficazes.


A melhora vem da modificação ativa de padrões de resposta, como propõem a Exposição e Prevenção de Resposta (EPR) e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), que ajudam o cliente a agir mesmo diante do desconforto (Twohig & Levin, 2017).


3. Técnicas de “Parar de Pensar” (Thought Stopping)


O uso de elásticos no braço ou comandos mentais como “pare!” para interromper pensamentos obsessivos ainda é comum, mas comprovadamente ineficaz. Essa estratégia, chamada thought stopping, costuma agravar os sintomas.


Pesquisas mostram que tentar suprimir pensamentos os torna mais frequentes, fenômeno conhecido como efeito rebote (Wegner, 1994). O TOC se alimenta justamente dessa tentativa de controle mental: por isso, ensinar a pessoa a conviver com os pensamentos sem lutar contra eles é mais eficaz.


4. Relaxamento Como Estratégia Principal


Técnicas de respiração, meditação ou mindfulness podem ser muito úteis como complemento, mas não devem substituir as técnicas centrais, como a EPR. Principalmente, é preciso observar que se o relaxamento é usado como forma de fugir da ansiedade durante a exposição, ele enfraquece o aprendizado terapêutico (McKay et al., 2021).


Segundo o modelo do aprendizado inibitório (Craske et al., 2014), você precisa se manter em contato com o desconforto, para aprender que pode sobreviver à ansiedade sem precisar das compulsões.


5. Distrações e Evitação Sutil Durante a Exposição


Fazer exposições ouvindo música, mudando de assunto ou tentando “não pensar muito” são formas sutis de evitar o que realmente causa desconforto. Mesmo quando bem-intencionadas, essas estratégias enfraquecem o efeito terapêutico da EPR.


O aprendizado emocional acontece quando você se expõe diretamente ao estímulo temido, sem buscar alívio imediato. Distrações impedem esse processo (Craske et al., 2014).


6. Racionalizações e Confirmações Lógicas


Tentar acalmar a pessoa com frases como “você não faria isso” ou “isso é só um pensamento” pode parecer reconfortante, mas reforça a compulsão por certeza. O TOC é um transtorno da dúvida crônica, e alimentar a busca por garantias apenas reforça o ciclo.


Na ACT, o foco é aprender a aceitar a incerteza como parte inevitável da vida (Hayes et al., 2012). O terapeuta não deve oferecer respostas absolutas, mas apoiar o cliente a agir com coragem, curiosidade e abertura, mesmo sem garantia de segurança total.


7. Técnicas “Espirituais” ou Místicas como Substituto


Embora práticas como regressão e “limpeza energética” possam ter valor simbólico ou emocional, não substituem tratamentos baseados em evidência, especialmente para quadros moderados a graves.


Quando usadas isoladamente ou como alternativa à psicoterapia estruturada, essas práticas podem atrasar o tratamento adequado e contribuir para a cronificação dos sintomas (McKay et al., 2021).


Conclusão


O TOC exige tratamento técnico, estruturado e baseado em evidência científica. Intervenções genéricas, baseadas em conforto momentâneo, insight ou lógica, não são suficientes para quebrar o ciclo obsessivo-compulsivo.


O que funciona envolve:

  • Exposição e prevenção de resposta, conduzida de forma estratégica e cuidadosa;

  • Abertura ao desconforto, sem luta por controle absoluto;

  • Ações guiadas por valores pessoais, que conectam você a uma vida significativa.


A boa notícia é que, com o suporte certo, é possível viver com mais liberdade, mesmo quando a ansiedade aparece.


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Referências

  • Craske, M. G., Treanor, M., Conway, C. C., Zbozinek, T., & Vervliet, B. (2014). Maximizing exposure therapy: An inhibitory learning approach. Behaviour Research and Therapy, 58, 10–23. https://doi.org/10.1016/j.brat.2014.04.006

  • Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2012). Terapia de aceitação e compromisso: O processo e a prática da mudança consciente. Artmed.

  • McKay, D., Sookman, D., Neziroglu, F., Wilhelm, S., Stein, D. J., Kyrios, M., … & Veale, D. (2021). Ineffective and potentially harmful psychological interventions for obsessive–compulsive disorder. Clinical Psychology: Science and Practice, 28(1), 52–63. https://doi.org/10.1111/cpsp.12337

  • Twohig, M. P., & Levin, M. E. (2017). Acceptance and Commitment Therapy as a Treatment for Anxiety and OCD Spectrum Disorders. Psychiatric Clinics of North America, 40(4), 751–770. https://doi.org/10.1016/j.psc.2017.08.009

  • Wegner, D. M. (1994). Ironic processes of mental control. Psychological Review, 101(1), 34–52. https://doi.org/10.1037/0033-295X.101.1.34


 
 
 

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